20 de abr. de 2007


Os pardais

E era a mesma coisa, mas não era mais. Quando os bicos dos pardais se encontraram pela primeira vez nenhum deles sabia que a vida inteira que viria depois daquela noite seria diferente. Os dois, que cresceram em graça e sabedoria juntos, descobriram a amizade ressabiada de quem mais cuida manter-se perto que zelar pelo próprio viver. Quando estavam juntos, eram completos. E sem perfeição, um deles sentia que no completo faltava um pedaço. Cometera o erro de se apaixonar pelo seu amigo de fé. Guardara seu segredo com uma nada usual parcimônia: em um mês, até o bem-te-vi e o pica-pau sabiam de sua paixão.
Era natural que seu amado também soubesse. E como bom amigo que era, decidiu zelar pelo bem da que o amava. Decidiu mostrar os limites, tolher as saliências, aparar as arestas e colocar a situação no lugar. O fogo da passarinha foi se afogando nos escrúpulos. Virou uma quase-brasa. Um quase-cinza, só acesa porque ventava. Até que tudo voltou a ser como era. A amizade reinava soberana sobre o amor derrotado.
Foi quando o desejo aprontou das suas. Numa noite, os amigos cruzaram os bicos. E ambos se acharam realizados. Tudo de mal que acharam que viria, não veio. Nem o medo nem o arrependimento. Veio só o que vem depois de algo que não deve acontecer, as conseqüências. A amizade que havia retornado só durava ainda por esforço mútuo e obstinado de dois pardais que tinham consciência, mesmo antes de se saberem pardais, que precisavam mais da asa amiga que do prazer de roçarem suas penas entre si. Nos seus desencontros, se desencontravam cada vez mais. Até que a mistura de medo e ponderação venceu a vontade, e pararam. E acabaram amigos felizes como jamais seriam se seus bicos se tocassem de novo.

Um comentário:

Régis Masson disse...

nossssa fiquei impressionado com a história! simplesmente excelente! perfeita em sua duplicidade ^^ show de bola brother!