De como ser um poetinha
Nos rombos de inspiração, segundo o grande pensador Álvaro Diaz, podem surgir grandes escritores. Eu começo a pensar que não consigo ter boas idéias de manhã. Pelo menos não antes do almoço. Esse novo costume - já que as férias acabaram - de escrever ali pelo meio-dia, tem me prejudicado literariamente. Eu explico: sempre fui um alguém acostumado a escrever de noite, no horário em que supostamente deveria estar dormindo. Pois então a seqüência natural das coisas é bocejar, deitar, bocejar de novo, fazer uma oração, colocar o celular para despertar, se revirar na cama, pensar "uma música ía bem agora...", ouvir umas duas músicas, pensar "quem já perdeu meia hora de sono pode perder mais meia hora", pegar o papel e tentar escrever. Ontem mesmo eu tive uma ideia muito boa, a executei, e fiquei quinze minutos desenhando no papel até ter inspiração para ter uma outra idéia, que ficou quase melhor que a primeira.
Outro dia eu conversava com o Charles, e ele me perguntava se eu guardava tudo que escrevia. Eu disse que sim, e recomendo isso para todo mundo. Já tive bolhas de criatividade durante a noite, em que eu escrevia dois versos, olhava para o papel e tinha vontade de vomitar ali na cama mesmo. Dali três dias, pegava os mesmos dois versos e escrevia um poema mui autêntico, bem melhor que vários escritos de uma só vez, em verves incontroláveis. A emoção lírica deve ser sempre guiada por uma racionalidade mesmo que latente. Não é possível abrir o coração e deixar a mão fazer o trabalho sozinha. O nosso parnasianismo enrustido deve exigir um mínimo de esmero plástico, procurar musicalidades, novos sons, novas combinações de palavras, e isso só se consegue pensando. Ou vocês acham que Mário Quintana fechava os olhos e escrevia?
Pois eu confesso aos senhores que já fiz isso. Escrevi poemas de olhos fechados, de luz acesa e luz apagada, já escrevi no planalto, na praia, em casa, num arrozal, num banco de faculdade, no sítio, andando na rua (andando mesmo, sem parar), numa sala de faculdade e aqui, nesse computador, os meus primeiros. E garanto: inspiração não escolhe hora nem lugar. Ela só vem. E não tem nada no mundo pior que ver uma idéia passar voando na sua frente e não ter papel e caneta para capturá-la. É como ver o seu amor passando na rua e não ter voz para gritar o seu nome.
Outro bom conselho é ser organizado. Eu tenho aproximadamente 145 poemas, mas todos estão catalogados, todos tem data, tem destino, tem nome e estão padronizados. Talvez isso seja transtorno obssessivo meu, mas que facilita bastante uma busca, ah, isso facilita. O que deve ficar bem claro - ou escuro, porque quase sempre escrevo à luz azul do celular ou outros aparelhos luminosos - é que a maioria dos meus poemas foram escritos substituindo o sono, ou convivendo com ele. Isso faz com que a poesia mude a minha vida, influa no meu cotidiano. Ela exige sacrifício meu para escrever. E isso faz com que se crie um carinho especial pelo que se escreve, pois você sabe que não foram só as suas palavras que foram postas ali: é a sua vida retratada, impressa, eternizada. São seus minutos, um pouco da sua alma refletindo a luz no papel. E é isso que vale.