O jogo que o João não viu
Mesmo com a minha má previsão de ontem, o Brasil venceu e se classificou para as Olimpíadas. Porém, uma pessoa na praia de Penha não pôde ver o jogo até o final. O seu João Luiz da Luz, que durante toda a semana havia se esforçado para construir mais um quarto e acomodar melhor seus visitantes no carnaval, tinha descansado no início da noite de domingo. Como sempre fazia, já havia preparado a refeição sofisticada que serviria para amansar os monstros estomacais da praia, onde o organismo desregula, mas o ogro da fome nunca pára. Preparara macarrão e frango no almoço, e fora advertido que não era necessário fazer mais comida. Deitou-se, e pediu para ser acordado na hora do jogo do Brasil. Mas às nove da noite já estava de pé. Perto de dez e meia avisou que o macarrão seria devorado no intervalo do jogo. Mas já aos cinco minutos do primeiro tempo, chamou pelo nome da sua esposa, e a deixou e aos seus dois filhos, além de uma legião de admiradores na escola onde era diretor e entre os amigos da sua filha. Não teve tempo de ver o Edgar desencantar finalmente no torneio sub-20, não viu todos que foram ao cemitério municipal hoje, não viu os que sorriram, nem os que choraram. Não viu as coroas nem os buquês. Não viu a filha chorando. Não viu o filho calado. Não viu. Mas estava lá. Não só deitado, com a expressão tranqüila, no centro da sala, centro das atenções. Estava vagando entre os presentes, falando de como uma estava gorda, ou perguntando porque aquele parente que nunca aparecia estava chorando tanto. Tirando sarro dos cabelos de um, batendo forte nas costas do outro. Apertando forte a minha mão. A vida dele na terra externa acabou, mas começa na terra sempre fértil da memória. É muito lugar-comum falar sobre as lições de alguém que morreu, mas faço isso de consciência limpa. Há umas duas semanas eu me lembrava da minha estadia na mesma casa que assistiu à partida de João. Me lembrava da sua dedicação, do seu zelo, sua alegria em tratar bem, em viver bem. E hoje renovo esse pensamento, tomando como aprendizado a obrigação que temos em valorizar a nossa passagem na Terra, em fazê-la a melhor possível, para nós mesmos e para os outros. Eu assisti ao jogo, mas hoje digo que preferia não ter assistido, se isso fizesse um outro alguém assistir no meu lugar. Muito obrigado, João.
3 comentários:
Humildemente peço licença para em meu comentário fazer uso de suas próprias palavras há umas postagens atrás - palavras essas que ficaram na minha memória. Sim, essa memória que fará sorrir nesse momento. E sobre a vida...
"A gente inconscientemente luta para mantê-la do melhor jeito possível, mas nunca pára para analisar quantas vezes já se esforçou efetivamente para isso." (sic)
Não posso agradecer, mas parabenizo esse grande homem, de valor incrível.
Meu amigo, texto emocionante.
Sabe Jouber... Eu também soube da partida de uma mulher muito especial este fim de semana. Existem pessoas que passam por nossas vidas, mas nunca realmente passarão. Estarão sempre conosco, seremos sempre um pedacinho delas. As teremos conosco cada vez que se fizerem presentes nos pensamentos, ações e gestos que com elas tivermos aprendido.
Cada ser humano é especial, e esta é a lição que devemos tirar de tão lamentáveis perdas. A tristeza dos parentes afastados é a prova disto. Lembremos disto todos os dias, a cada instante, ao lado de cada pessoa...
Adoro você!
Realmente caro amigo Jouber, nossa passagem por esse lugar deve valer a pena.
Eu sou leiga no assunto, mas é bom ler um texto com sinceridade e talento...
Eu sim, quando crescer, quero ser igual a você!
beijos
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